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Mad Men e Masters of Sex: mudamos tanto assim?

  • Por Pablo R. Cardoso
  • 2 de set. de 2015
  • 4 min de leitura

Demorei a dar o braço a torcer e reconhecer que a TV norte-americana vive uma excelente fase. Já tinha visto (e adorado) Roma, mas acho que parei por aí nos dramas. Minto. Gostei bastante das duas primeiras temporadas de Boardwalk Empire, mas o destino do meu personagem preferido me fez perder o gás. Falando em máfia, precisou o James Gandolfini morrer para eu dar uma chance para Família Soprano. Bastaram só dois episódios para ser fisgado e até hoje acho que é uma das dramaturgias mais fascinantes que vi na vida. E acrescento sem medo: em todas as mídias.


Era mais ou menos época do auge de Breaking Bad, com todo mundo maluco e só falando sobre a série. Vencida a teimosia, fui conferir. Achei fascinante. Precisava de mais. Queria beber mais dessa fonte. Logo depois vieram True Detective (espetacular) e Mad Men. Que série é Mad Men! Não entendo como ela é subestimada por aí… Fato é que peguei gosto pela coisa e durante uma crise de abstinência durante a midseason, acabei dando uma chance para Masters of Sex. Sabe como é, né? Também é ambientada no passado, tangencia a psicologia, eu sou saudosista até do que não vivi… Enfim, era inevitável.


Mad Men, assim como Sopranos, é daquelas séries que têm um ritmo próprio. Não tem historinha por trás ou cliffhangers, a trama avança a partir dos personagens. O que me leva a crer que talvez um dos grandes trunfos de Mad Men esteja em seu texto.


Como os episódios não possuem um senso de urgência nem temos um ponto de chegada claro ao horizonte, o roteiro abre espaço para desenvolver e trabalhar questões com mais calma. Retratando os anos 60, a série espelha o espírito da época e aborda discussões de maneira orgânica, inserindo os eventuais conflitos no dia-a-dia dos personagens. Dessa forma, eles acabam se envolvendo com temas como divórcio, aborto, revolução sexual, contracultura, Vietnã, entre outros.


Em escala menor, afinal de contas a série começou há pouco, Masters of Sex segue a mesma toada. Se não é tão brilhante em seu roteiro, que muitas vezes lembra um novelão arrastado, se garante com os eventuais debates que surgem à medida que os seus protagonistas evoluem na trama.


Não sei você, mas acho a densidade do subtexto algo fundamental à história que estou vendo. Talvez seja vício de psicólogo, mas se não surgir uma discussão sobre a vida ou a sociedade eu tendo a me desinteressar pelo produto. Por consequência, esse esmero das séries para com a fidelidade às épocas que retratam me deixou com uma pulga atrás da orelha: será que mudamos tanto assim de lá para cá?


Responder de bate-pronto é difícil. É claro que temos avanços inegáveis. As pílulas anticoncepcionais, que Gini Johnson vislumbrava como sendo o futuro, são uma realidade. A tecnologia que antes assustava os funcionários da Sterling Cooper & Partners hoje é quase parte de nosso corpo, de tão necessária que ela se faz em nossas vidas. Os hábitos errantes dos figurões publicitários e dos médicos se tornaram inadmissíveis, entre outros pontos.


Mas se tivemos largas melhoras nesses aspectos, em outras fomos discretos. Os negros que foram trabalhar para Don Draper entraram na empresa porque “pegava bem com o mercado”, era como um aval de que a agência era moderna e antenada com o futuro. Ainda assim, nenhum ocupou posições de destaque. Em Masters of Sex ainda se vivia a época de hospitais segregacionistas. Em 2015 o cenário não está muito distante, talvez a exclusão se dê de maneiras mais “refinadas” (aspas irônicas, caso não tenha ficado claro o bastante): salários mais baixos, oportunidades desiguais, episódios de racismo como o do goleiro Aranha, os assassinatos em Ferguson…


Gosto de pensar que Mad Men tem dois protagonistas: Don e Peggy. Aliás, analisar o seriado como sendo sobre as mulheres e as mudanças sociais abre outra perspectiva de olhar sobre a trama. Temos personagens femininas fortes nos dois programas: Peggy, Betty, Joan, Gini, Lilian. Todas elas, em menor ou maior escala, se chocam contra as figuras dominantes dos homens. Voltemos ao presente: como lidamos com a liberdade sexual feminina? O divórcio ainda é mal visto? Qual é a nossa posição enquanto sociedade diante do aborto? Há igualdade nos cargos e rendimentos? Essas e outras perguntas podem ser respondidas de forma similar tanto nos anos 50/60 quanto nos dias de hoje, o que é assustador.


Ainda no campo da sexualidade, ambas as séries mostram como era difícil sustentar a homoafetividade naquelas épocas. Medo de perder o emprego, abalar a imagem social, o conviver dentro do armário… Se em certos e diminutos núcleos hoje lidamos com naturalidade nessa temática, enquanto sociedade ainda estamos atrasados. Os direitos civis estão, aos poucos, sendo conquistados, mesmo com o levante dos setores mais reacionários, é verdade. As artes estão alimentando discussões públicas que as ciências humanas não conseguiram, ainda bem. O mercado recebe com bons olhos a diversidade, como era de se esperar. Ao mesmo tempo, homossexuais são agredidos diariamente, políticos são receosos ao levantar bandeiras ou firmar compromissos com a comunidade LGBTI. Caminhamos a passos de tartaruga.


Revisitar o passado é uma das formas que temos para refletir sobre o presente e garantirmos que não vamos repetir erros históricos. Masters of Sex e Mad Men oferecem pistas sobre essa jornada tão importante, além do entretenimento de primeira. Se não podemos olhar para essas épocas e sentir pleno orgulho do que alcançamos, resta a lição e o trilho a ser percorrido. Fica a pergunta: como as décadas futuras nos enxergarão?

 
 
 

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